Quim
Um cheiro forte mas aprazível a ferro quente embrulha-se numa frequência sonora irritante pela plataforma fora. Os fios e linhas e cabos somem-se da vista pela linha do horizonte numa rectidão longínqua, que começa mas não acaba. A espera leva à antecipação, à imaginação. As correrias e malas arrastadas e cigarros pisados sugerem idas, regressos, jornadas, voltas, encontros, reencontros, todos com origem e destino, cabeça tronco e membros. Há quem vá entrando, quem espere cá fora, quem vem sozinho ou evite despedidas ou quem faça recomendações e envie saudades ou apenas fume o que conseguir no pouco tempo que tem.
Sobe-se um pouco, enviúsa-se uma mochila e espera-se pela marcha, sentado em suspiros ou bocejos. Vêem-se os últimos acenos, enfiam-se camisolas e merendas em sacos e arrancamos devagarinho. Fazem-se as contas para as horas de chegada, pensam-se em jantares e ceias. Avisa-se a família e amigos que a saída foi certeira, em telefonemas demasiado curtos e inúteis.
De repente as linhas esboçadas na janela informam que a velocidade aumentou. De olhos fechados não se perceberia, pelo balanço suave e silencioso não se dava por nada. Os vidros da carruagem arrastam paisagens que correm rápido demais para serem percebidas. Chovem na horizontal postes e prédios e ruas e carros que não se deixam identificar. As pedras junto aos carris transformam-se numa linha branca e cinzenta contínua e hipnotizante.
Abre-se a vista e o campo. Vê-se muito verde. Qualquer coisa acalma cá dentro e respira-se fundo lentamente, fazendo esquecer a velocidade. Purga-se terra adentro, terra acima, não se avança no tempo porque a direcção é o Norte, meridiano afora. Fecham-se os olhos, mas não se quer perder o caminho. Esquece-se o dia, a noite, os anseios e desassossegos. Não temos sentido mas temos destino. Quem me dera que nunca acabasse.
in train to Bracara Augusta
12-5-11